quinta-feira, 26 de junho de 2014

"OS LUSÍADAS", A EPOPEIA CAMONIANA: RESUMO E BREVE ANÁLISE

Por Gabriela V. Paganotto e Lucas M. Maracci¹.

Escrito por Luís Vaz de Camões e publicado em 1572, o extenso poema épico Os Lusíadas é considerado um clássico da literatura universal pertencente ao Classicismo, período da Literatura Portuguesa que, segundo Massaud Moisés (1968, p. 67), “objetivava a imitação dos antigos gregos e latinos”. Ao todo, o poema possui dez cantos e 1102 estrofes de oito versos decassílabos.

Com linguagem rica e ritmada, Camões narra em Os Lusíadas os grandes feitos dos portugueses, lançando mão de versos impecavelmente metrificados. Por esse motivo, o poema é enquadrado em épico, gênero esse que Aristóteles (1993, p. 24) define como sendo uma “imitação metrificada de seres superiores [...] e é narrativa”.

O livro é estruturado em três partes: Introdução, subdividida em proposição (apresentação do tema), invocação (pedido de inspiração às ninfas do Tejo para conseguir escrever a história) e oferecimento (dedica o poema ao rei D. Sebastião); narração (desenvolvimento do tema); e epílogo (fechamento da história).

A história começa com os navegadores portugueses já em alto mar, buscando o caminho marítimo às Índias. O plano da história passa do plano dos mortais ao plano dos deuses. Nele, o concílio dos deuses acontece. Ao longo do evento, os deuses debatem se os portugueses devem ou não achar o caminho. Baco, deus do vinho, opõe-se ao sucesso dos navegadores, pois acha que todas as suas conquistas serão esquecidas, ao passo que Júpiter, o pai dos deuses, afirma que os portugueses estão predestinados a encontrar o caminho. Marte, então, apóia a conquista dos portugueses e o concílio é encerrado.

Voltamos ao plano dos mortais. A frota dos portugueses chega à Ilha de Moçambique. Lá, são recebidos aparentemente bem, porém, o soberano daquele povo planeja a destruição dos portugueses, pois fora influenciado por Baco, que tomara forma humana. Todavia, os portugueses agiam com muito cuidado e, quando a peleja começa, defendem-se e atacam a cidade por meio de bombas. O soberano dos muçulmanos rende-se e oferece aos navegadores um guia para ajudá-los na navegação (outra tentativa de Baco para destruir os portugueses), e este os leva a uma terra onde cristãos e muçulmanos vivem juntos. Entretanto, Vênus desvia a frota portuguesa por meio de ventos fortíssimos e os lusos chegam a Mombaça. (Fim do canto I.)

Lá, um enviado do rei os convida a entrar no porto da cidade. Desconfiados, Vasco da Gama manda dois degredados para verificarem se a entrada é segura. Sob a influência de Baco, os mouros planejam uma emboscada, mas num primeiro momento demonstram ser hospitaleiros. Os degredados confirmam que não há perigos na cidade. No entanto, Vênus, com a ajuda de Nereidas, impede que a emboscada se concretize. Com intuito de ajudar os portugueses, Júpiter manda Mercúrio contar aos portugueses sobre a cidade de Melinde, cujo rei os ajudará com mantimentos e, até mesmo, um piloto para levá-los até as Índias. Vasco da Gama, então, conta ao rei a história de Portugal (podemos, inclusive, verificar a glorificação do povo português), que se estende ao canto IV. Vasco da Gama explica a geografia da Europa e relata a história de Egas Moniz, a Batalha de Ourique, até chegar a um dos episódios líricos da epopéia: a morte de Inês de Castro, amante de D. Pedro. (Fim do canto III.)

Vasco da Gama prossegue com o relato da história de Portugal, partindo da Batalha de Aljubarrota até o reinado de D. Manuel I. Assim, chega ao momento quando ele e sua frota estavam se despedindo no porto de Belém. Nesse instante, aparece um senhor de mentalidade conservadora, que se apresenta contrário às navegações (episódio O Velho do Restelo). (Fim do canto IV.)

O Gigante Adamastor
São relatados, então, todos os riscos pelos quais passaram até ancorarem em Melinde. Dentre esses perigos, encontra-se a história do gigante Adamastor, outro episódio lírico. O próprio gigante assume o papel de narrador, junto de Vasco da Gama. Nesse episódio, trágico e épico, o real mescla-se com o maravilhoso. Adamastor profetiza o cruel destino reservado a alguns dos navegadores portugueses (prolepse). (Fim do canto V.)

Vasco da Gama acaba de relatar a história e a frota se prepara para partir. É convocado um concílio dos deuses marinhos. Esses deuses decidem, então, impedir a chegada da frota lusa às Índias. Fernão Veloso conta o episódio Os Doze da Guerra, mas é interrompido por uma tempestade criada pelos deuses marinhos. Vênus, mais uma vez, ajuda os portugueses, pedindo às ninfas para acalmarem o vento. (Fim do canto VI.)

Quando ancoram em Calecuti, nas Índias, Vasco da Gama manda um dos marinheiros levar um recado ao rei indiano. Esse marinheiro encontra Moçaide, um mouro falante de castelhano que servirá como tradutor. Ele leva os portugueses até Samorim, um soberano. Lá, os portugueses propõem um tratado comercial. (Fim do canto VII.) Antes de dar alguma resposta, Samorim manda examinar os augúrios. A previsão enganosa é a de que os portugueses vão dominar a Índia (por influencia de Baco). No dia seguinte, Samorim convoca Vasco da Gama e este nega a previsão. Ainda assim, Samorim o faz de refém, mas no final troca Vasco da Gama pelas mercadorias da frota. (Fim do canto VIII.)

Vasco da Gama aprisiona alguns indianos e parte. Vênus faz aparecer uma ilha na rota dos portugueses. Aqui acontece outro episódio lírico, A Ilha dos Amores, que abrange os canto IX e X. Essa ilha é tomada como um lugar ideal, utópico, paradisíaco onde os navegadores vão desfrutar de prazeres. No palácio de Tétis, Sirena profetiza os feitos portugueses. Mais tarde, Tétis mostra a Vasco da Gama “a grande máquina do mundo”. No epílogo, Camões dá conselhos ao leitor.

A Ilha dos Amores
Por se tratar de uma epopeia e se valer de características ditadas pela Poética de Aristóteles, é possível listar algumas semelhanças entre a epopeia camoniana e a epopeia clássica. Tomemos como exemplo de epopeia clássica a Odisséia, de Homero. Tanto em Os Lusíadas como na Odisséia, há a constante intervenção dos deuses na vida dos homens; aqueles tomam partido em relação a esses, favorecendo-os ou buscando a destruição dos mortais. As deusas Atena e Vênus, por exemplo, intercedem nas histórias de Ulisses e Vasco da Gama – na Odisséia e em Os Lusíadas, respectivamente – ajudando os heróis em situações críticas.

Ambas as epopeias retratam os feitos de grandes homens e as diversas peripécias pelas quais passam até atingirem seus objetivos. Outra característica comum às duas epopeias é a narrativa começada in media res (no meio da história). Na Odisséia, Ulisses começa a história preso por Calipso há sete anos; enquanto em Os Lusíadas a nau de Vasco da Gama já se encontra em alto mar quando a narração começa: “Já no largo oceano navegavam” (CAMÕES, 2008, p. 23). Alguns detalhes antecedentes ao ponto de início da narração são contados por meio de analepses. 

Todavia, há diferenças entre a epopéia camoniana e a epopéia homérica. Diferentemente da Odisséia, Os Lusíadas possuem episódios líricos já citados anteriormente: a Ilha dos Amores, a morte de Inês de Castro, e parte do episódio do gigante Adamastor. Esses episódios, marcados por intenso subjetivismo de Camões, funcionam como uma inovação aos ensinamentos presentes na Poética de Aristóteles, fazendo de Os Lusíadas uma epopeia moderna. Conforme Massaud Moisés (1977, p. 74), os episódios líricos “continham não a verdade própria do achamento dum caminho marítimo às Índias, mas a sua (de Camões) verdade íntima, profunda e intransferível de homem e poeta”. Ou seja, Camões usa desses episódios para expressar não a verdade dos fatos, mas a sua verdade particular.

Além da presença dos episódios líricos, há outra diferença fundamental entre as epopeias homérica e camoniana, que diz respeito ao herói da história. Na Odisséia, Ulisses é o personagem enfocado pela história; portanto, é um herói individual. Por outro lado, Vasco da Gama, em Os Lusíadas, age como um representante da tripulação portuguesa, ou até mesmo do povo português em si, sendo, portanto, um herói coletivo (MOISÉS, 1977).

Em suma, Os Lusíadas é uma magnífica epopeia que exalta os feitos portugueses e relata, com linguagem riquíssima e métrica rigorosa, todos os perigos enfrentados pela frota portuguesa em seu caminho até alcançar seu destino. Mesclando o real com o maravilhoso, Os Lusíadas não é apenas um clássico da Literatura Portuguesa, mas sim um clássico universal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Ars Poetica, 1993.
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2008.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 14ª edição. São Paulo: Cultrix, 1977.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa través dos textos. São Paulo: Cultrix, 1968.






¹Acadêmicos do curso de Letras Português/Inglês do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA).

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