Por Gabriela V. Paganotto e Lucas M. Maracci¹.
Escrito por Luís Vaz de Camões e publicado
em 1572, o extenso poema épico Os Lusíadas
é considerado um clássico da literatura universal pertencente ao Classicismo,
período da Literatura Portuguesa que, segundo Massaud Moisés (1968, p. 67),
“objetivava a imitação dos antigos gregos e latinos”. Ao todo, o poema possui
dez cantos e 1102 estrofes de oito versos decassílabos.
Com linguagem rica e ritmada, Camões narra
em Os Lusíadas os grandes feitos dos
portugueses, lançando mão de versos impecavelmente metrificados. Por esse
motivo, o poema é enquadrado em épico, gênero esse que Aristóteles (1993, p. 24)
define como sendo uma “imitação metrificada de seres superiores [...] e é
narrativa”.
O livro é estruturado em três partes:
Introdução, subdividida em proposição (apresentação do tema), invocação (pedido
de inspiração às ninfas do Tejo para conseguir escrever a história) e
oferecimento (dedica o poema ao rei D. Sebastião); narração (desenvolvimento do
tema); e epílogo (fechamento da história).
A história começa com os navegadores
portugueses já em alto mar, buscando o caminho marítimo às Índias. O plano da
história passa do plano dos mortais ao plano dos deuses. Nele, o concílio dos
deuses acontece. Ao longo do evento, os deuses debatem se os portugueses devem
ou não achar o caminho. Baco, deus do vinho, opõe-se ao sucesso dos
navegadores, pois acha que todas as suas conquistas serão esquecidas, ao passo
que Júpiter, o pai dos deuses, afirma que os portugueses estão predestinados a
encontrar o caminho. Marte, então, apóia a conquista dos portugueses e o
concílio é encerrado.
Voltamos ao plano dos mortais. A frota dos
portugueses chega à Ilha de Moçambique. Lá, são recebidos aparentemente bem,
porém, o soberano daquele povo planeja a destruição dos portugueses, pois fora
influenciado por Baco, que tomara forma humana. Todavia, os portugueses agiam
com muito cuidado e, quando a peleja começa, defendem-se e atacam a cidade por
meio de bombas. O soberano dos muçulmanos rende-se e oferece aos navegadores um
guia para ajudá-los na navegação (outra tentativa de Baco para destruir os
portugueses), e este os leva a uma terra onde cristãos e muçulmanos vivem
juntos. Entretanto, Vênus desvia a frota portuguesa por meio de ventos
fortíssimos e os lusos chegam a Mombaça. (Fim do canto I.)
Lá, um enviado do rei os convida a entrar
no porto da cidade. Desconfiados, Vasco da Gama manda dois degredados para
verificarem se a entrada é segura. Sob a influência de Baco, os mouros planejam
uma emboscada, mas num primeiro momento demonstram ser hospitaleiros. Os
degredados confirmam que não há perigos na cidade. No entanto, Vênus, com a
ajuda de Nereidas, impede que a emboscada se concretize. Com intuito de ajudar
os portugueses, Júpiter manda Mercúrio contar aos portugueses sobre a cidade de
Melinde, cujo rei os ajudará com mantimentos e, até mesmo, um piloto para
levá-los até as Índias. Vasco da Gama, então, conta ao rei a história de
Portugal (podemos, inclusive, verificar a glorificação do povo português), que
se estende ao canto IV. Vasco da Gama explica a geografia da Europa e relata a
história de Egas Moniz, a Batalha de Ourique, até chegar a um dos episódios
líricos da epopéia: a morte de Inês de Castro, amante de D. Pedro. (Fim do
canto III.)
Vasco da Gama prossegue com o relato da
história de Portugal, partindo da Batalha de Aljubarrota até o reinado de D.
Manuel I. Assim, chega ao momento quando ele e sua frota estavam se despedindo
no porto de Belém. Nesse instante, aparece um senhor de mentalidade
conservadora, que se apresenta contrário às navegações (episódio O Velho do
Restelo). (Fim do canto IV.)
O Gigante Adamastor |
São relatados, então, todos os riscos
pelos quais passaram até ancorarem em Melinde. Dentre esses perigos,
encontra-se a história do gigante Adamastor, outro episódio lírico. O próprio
gigante assume o papel de narrador, junto de Vasco da Gama. Nesse episódio,
trágico e épico, o real mescla-se com o maravilhoso. Adamastor profetiza o cruel
destino reservado a alguns dos navegadores portugueses (prolepse). (Fim do
canto V.)
Vasco da Gama acaba de relatar a história
e a frota se prepara para partir. É convocado um concílio dos deuses marinhos.
Esses deuses decidem, então, impedir a chegada da frota lusa às Índias. Fernão
Veloso conta o episódio Os Doze da Guerra, mas é interrompido por uma
tempestade criada pelos deuses marinhos. Vênus, mais uma vez, ajuda os
portugueses, pedindo às ninfas para acalmarem o vento. (Fim do canto VI.)
Quando ancoram em Calecuti, nas Índias,
Vasco da Gama manda um dos marinheiros levar um recado ao rei indiano. Esse
marinheiro encontra Moçaide, um mouro falante de castelhano que servirá como
tradutor. Ele leva os portugueses até Samorim, um soberano. Lá, os portugueses
propõem um tratado comercial. (Fim do canto VII.) Antes de dar alguma resposta,
Samorim manda examinar os augúrios. A previsão enganosa é a de que os
portugueses vão dominar a Índia (por influencia de Baco). No dia seguinte,
Samorim convoca Vasco da Gama e este nega a previsão. Ainda assim, Samorim o
faz de refém, mas no final troca Vasco da Gama pelas mercadorias da frota. (Fim
do canto VIII.)
Vasco da Gama aprisiona alguns indianos e
parte. Vênus faz aparecer uma ilha na rota dos portugueses. Aqui acontece outro
episódio lírico, A Ilha dos Amores, que abrange os canto IX e X. Essa ilha é
tomada como um lugar ideal, utópico, paradisíaco onde os navegadores vão
desfrutar de prazeres. No palácio de Tétis, Sirena profetiza os feitos portugueses.
Mais tarde, Tétis mostra a Vasco da Gama “a grande máquina do mundo”. No
epílogo, Camões dá conselhos ao leitor.
A Ilha dos Amores |
Por se tratar de uma epopeia e se valer de
características ditadas pela Poética
de Aristóteles, é possível listar algumas semelhanças entre a epopeia camoniana
e a epopeia clássica. Tomemos como exemplo de epopeia clássica a Odisséia, de Homero. Tanto em Os Lusíadas como na Odisséia, há a constante intervenção dos deuses na vida dos homens;
aqueles tomam partido em relação a esses, favorecendo-os ou buscando a
destruição dos mortais. As deusas Atena e Vênus, por exemplo, intercedem nas
histórias de Ulisses e Vasco da Gama – na Odisséia
e em Os Lusíadas, respectivamente –
ajudando os heróis em situações críticas.
Ambas as epopeias retratam os feitos de
grandes homens e as diversas peripécias pelas quais passam até atingirem seus
objetivos. Outra característica comum às duas epopeias é a narrativa começada in media res (no meio da história). Na Odisséia, Ulisses começa a história
preso por Calipso há sete anos; enquanto em Os
Lusíadas a nau de Vasco da Gama já se encontra em alto mar quando a
narração começa: “Já no largo oceano navegavam” (CAMÕES, 2008, p. 23). Alguns
detalhes antecedentes ao ponto de início da narração são contados por meio de
analepses.
Todavia, há diferenças entre a epopéia
camoniana e a epopéia homérica. Diferentemente da Odisséia, Os Lusíadas
possuem episódios líricos já citados anteriormente: a Ilha dos Amores, a morte
de Inês de Castro, e parte do episódio do gigante Adamastor. Esses episódios,
marcados por intenso subjetivismo de Camões, funcionam como uma inovação aos
ensinamentos presentes na Poética de
Aristóteles, fazendo de Os Lusíadas
uma epopeia moderna. Conforme Massaud Moisés (1977, p. 74), os episódios
líricos “continham não a verdade própria do achamento dum caminho marítimo às
Índias, mas a sua (de Camões) verdade íntima, profunda e intransferível de
homem e poeta”. Ou seja, Camões usa desses episódios para expressar não a
verdade dos fatos, mas a sua verdade particular.
Além da presença dos episódios líricos, há
outra diferença fundamental entre as epopeias homérica e camoniana, que diz
respeito ao herói da história. Na Odisséia,
Ulisses é o personagem enfocado pela história; portanto, é um herói individual.
Por outro lado, Vasco da Gama, em Os
Lusíadas, age como um representante da tripulação portuguesa, ou até mesmo
do povo português em si, sendo, portanto, um herói coletivo (MOISÉS, 1977).
Em suma, Os Lusíadas é uma magnífica epopeia que exalta os feitos
portugueses e relata, com linguagem riquíssima e métrica rigorosa, todos os
perigos enfrentados pela frota portuguesa em seu caminho até alcançar seu
destino. Mesclando o real com o maravilhoso, Os Lusíadas não é apenas um clássico da Literatura Portuguesa, mas sim
um clássico universal.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Ars Poetica, 1993.
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM
POCKET, 2008.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 14ª edição.
São Paulo: Cultrix, 1977.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa través dos textos.
São Paulo: Cultrix, 1968.
¹Acadêmicos do curso de Letras Português/Inglês do Centro Universitário
Franciscano (UNIFRA).
Grande trabalho meu camarada!
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